Jornalista. 25 para 26 anos. Cursando o doutorado em linguística aplicada. Sim, é isso mesmo: aos 25 anos, já tinha começado o doutorado. O mestrado já tinha feito em Minas, na universidade federal da capital mineira.
No começo, o que chamava a atenção era o sotaque. Forte, carregado, comendo letras e destilando charme. Aos poucos, apareceu a inteligência, um rosto com traços fortes, uma boca grande, cabelo castanho claro, pintado. Uma cor que parecia caramelo.
Viam-se em reuniões semanais. A orientadora fazia questão que todos, uma vez por semana, estivessem juntos: doutorandos, mestrandos e nós, de iniciação científica. A cada semana, alguns apresentavam resultados parciais de suas pesquisas e colocavam o trabalho para ser questionado, receber sugestões.
Aos poucos, conversaram mais. Afinal, ela era jornalista formada, uma área que muito interessava a ele. Morava em Minas, vinha a São Paulo apenas para receber a orientação sobre seu trabalho. Tinha uma filha de cinco anos.
Algumas conversas do lado de fora da sala de reuniões. Ao ar livre, enquanto ela fumava, sempre com uma ou outra pessoa do grupo junto. Uma mulher alta, quase sempre usando saias escuras, quase sempre pretas. O sorriso, a fala sempre tranquila, com aquele sotaque mineiro típico, gostoso de ouvir.
Olhares. Foi o que fizeram por algum tempo, até trocarem também sorrisos. Passaram a conversar mais. Resolveram conversar também pelo msn. Foi aí que começaram a conversar sozinhos - pessoalmente estavam sempre acompanhados de outras pessoas.
As conversas aqueceram a relação. A amizade, a princípio, mas estava claro que os dois queriam ver até onde aquilo ia. Embora ele fosse mais novo, estivesse na graduação enquanto ela fazia doutorado, tinham conversas ótimas. A diferença de idade não era tão grande. Ele tinha 20, ela 25.
Descobriu que no começo, quando se conheceram, ela era casada. Muito bem casada. Mas aconteceram problemas, se separaram. A filha dela era dele. Casou-se jovem, separou-se também muito jovem. Charmosa, interessante, inteligente e linda, deu espaço para que se aproximassem, flertassem.
Resolveram marcar um encontro. Ela já não dormia mais em hotéis quando vinha a São Paulo - ficava na casa de uma amiga, também do grupo da orientadora. Mas naquele dia, fingiria que iria embora, se encontraria com ele e passariam a noite juntos.
Se encontraram. Ela com malas, ele a ajudou. Foram até um restaurante bar, tomar uma cerveja, conversar. Aquele sotaque o fazia sentir-se mais e mais encantado por ela. Ela, com um olhar sereno, sedutor, fitava-o no fundo dos olhos.
Acendeu um cigarro enquanto ele falava. Ela já tinha bebido chopp com groselha, ele cerveja. Beberam um pouco mais enquanto conversavam.
Ela estava do outro lado da mesa, mas veio para o lado dele. Os olhos dos dois se procuraram. Os rostos se aproximaram. Aquela boca enorme, com lábios grossos o atraía. Ela não conseguia parar de olhar os olhos cor de mel, não aguentava mais de vontade de beijar aquela boca que via na sua frente. O beijo, com os lábios quentes, foi inevitável.
- Achei que isso nunca fosse acontecer - disse ela.
Ele também não. Na verdade, não imaginava que pudesse acontecer. Não se imaginaram juntos no começo, mas a atração nascer, cresceu e se tornou forte. Os levou até ali, juntos.
- Aqui perto fica o hotel onde me hospedava quando vinha para cá, nas primeiras vezes. É simples, barato, mas serve para passarmos a noite.
Seguiram para lá. Lugar bem simples, preço acessível. Quartos pequenos. Com cara de motel. Se registraram no hotel, por uma noite apenas. Seguiram, sorrindo, para o quarto. As mãos dadas nos corredores, como duas crianças levadas, prestes a aprontar.
Entraram no quarto e se sentiram aliviados. Estavam ali, tranquilos. Tinham tempo, tinham um ao outro. Tinham desejo. Ela tirou as botas, enquanto ele a observava. Via como ela era linda, sedutora, como ela o tinha encantado. E estava ali, diante dela, prestes a tê-la nos seus braços.
Sem pressa, curtiram a cama, os beijos, os abraços, as roupas sendo tiradas. Ele ficou impressionado ao vê-la sem roupa. Como era linda, que corpo tinha... E aquela lingerie preta, em contraste com sua pele.
Ele sentiu o gosto dela na boca, nos lábios. Ela o sentiu com a boca, com o corpo, com os olhos, com o seu calor. Os dois se fizeram um. Ele queria dar a ela os olhos fechados, a mordida no lábio, as unhas apertando suas coxas. Queria dar a ela aquele sorriso gostoso. Ela queria fazer ele sentir como um choque pelo corpo todo, fazer ele sentir o sangue ferver nas veias...
Fizeram daquela noite inesquecível. Fizeram daquela sexta-feira um encontro de um paulista com uma mineira. Seria o primeiro. Tornou-se também o último.
Se falaram pouco depois. Disseram que o encontro podia ir muito além daquilo. Que ele poderia visitá-la em Belo Horizonte. Que ela poderia vir a São Paulo. Sonhos e desejos de se ver que nunca foram concretizados.
Ela não o procurou. Ele não a procurou. Não tentaram mais. Ele se arrependeu de não ter tentado vê-la. Ela se arrependeu de ter apenas esperado por ele. A distância e o tempo foram apagando os contatos de um com o outro. Quando deram por si, não conseguiram mais encontrar uma maneira de se falar. Tinham perdido o contato completamente. Nem telefone, nem e-mail, nem msn, nem Orkut, nem nada. Só tinham consigo a lembrança. Mais nada.