Ela se liberou. Soltou a leoa que guardava com esforço quase heróico. Onde se via meiguice e doçura, leia-se agora ímpeto e volúpia.
A sinuosidade do seu sorriso já sugeria sua volúpia. Ela é feroz, intensa, incontrolável. Sensual a cada pinta da sua pele clara, em cada gota de saliva, em cada pêlo que sua roupa esconde.
Um vulcão. Mas envolta, até então, por ma capa de suavidade, temperança, simpatia e meiguice. Uma capa que ela se esforçava para prevalecer alguma outra coisa. Percebia que ela estava para explodir, tamanho o esforço que ela fazia para esconder a sua intensidade incontrolável. Nunca entendi exatamente o porque.
Aquela energia sexual que ela exalava pelo poros fluiu pelas minhas veias e ferveu meu sangue. Aquela volúpia invadiu minhas artérias, encheu meu coração e explodiu meu peito. Transformou-me em puro torpor.
A volúpia que ela trazia misturou-se com meu ímpeto e fez-se veneno, capaz de provocar dores que parecem insuportáveis e prazeres que parecem incomparáveis.
Cheguei a temer que ela se envenenasse e perdesse o controle. Seguro de mim mesmo, não achava que eu mesmo pudesse mergulhar tão fundo no líquido a ponto de não precisar jamais consumi-lo novamente.
Bebia litros do veneno, que escorria pela minha boca, penetrava minha pele e dilacerava qualquer resistência que eu pudesse ter. Aquele veneno consumiu-me dos pés à cabeça. Trouxe os mais cruéis pensamentos e a mais intensa paixão.
Ela não bebia. Saboreava da minha boca o gosto do perigo. A cada momento como esse, eu me embriagava de veneno, enquanto ela sentia apenas escorrer da boca o pouco que consumia.
O perigo e uma dose de perversão em nossos atos dava tons avermelhados ao que acontecia. Ela, porém, vestia a capa que a protegia de assumir o que tinha dentro de si. Ela sabia que uma vez liberada, seria incontrolável, com conseqüências que nem ela nem ninguém poderia prever.
Sempre tive a sensação de apreciação do veneno, mesmo sabendo que consumia minhas sensações, corroía meus sentimentos. Senti-me um hedonista do século 15, em meio ao período Renascentista. O "carpe diem" daquela época, que buscava o prazer imediato, me fazia continuar. Mesmo sabendo que o risco de dor sempre era muito maior do que o de prazer.
Aos poucos e com pequenas doses dessa volúpia, me apaixonei por ela com a voracidade de um lobo selvagem. Sentia ódio por tudo que impedia da satisfação pessoal que tinha ao encher-me do veneno que só produzia quando estava com ela.
Sem perceber, aquele veneno já fazia parte do meu sangue e me consumia todos os dias, todas as noites, fins de semana e feriados.
Ela continuava vestida com a capa protetora. Ela resistia ao veneno que sabia que era produzido com a participação dela.
O veneno não tem cura. Já faz parte do meu corpo e retirá-lo significaria extrair todo meu sangue. Seus efeitos são imprevisíveis, mas uma coisa é certa: vale cada gota que eu avidamente consumi, e que hoje com volúpia, ímpeto e violência consome todos os meus sentimentos - dos mais terríveis aos mais saborosos.