segunda-feira, 30 de outubro de 2006

O ator principal do meu filme

Minha mente está concentrada maquinando a programação da mostra de cinema. São tantos filmes e tão pouco tempo disponível. Não sou o único. Olho ao redor e vejo várias pessoas rabiscando seus guias de filmes pensando na melhor maneira de aproveitar essa maratona que está acontecendo. Há grupos e grupos de pessoas - intelectuais, hype, punks, universitários, publicitários - e suas versões pseudos. Tudo bem, isso faz parte.

Eis que senta uma garota na mesa da frente. Tomava suco de canudinho fazendo um biquinho com a boca que dava asas à imaginação. Camisa branca, calça jeans e tênis AllStar - daqueles fáceis de calçar - e rabiscava o seu guia como muitos por ali. Tentei voltar à minha própria programação, no entanto me conheço bem o suficiente para saber que metade do meu planejamento não será seguido e que não estava concentrando o suficiente por causa daquele anjo na minha frente que tomava o seu suco com canudinho.

Tinha ingresso para três sessões seguidas na mesma sala sem nenhum critério aparente: um filme romeno, outro americano e um documentário canadense. Estava aguardando o primeiro filme que só começaria depois de algumas horas. As pessoas formavam filas, se movimentavam entre as salas. A garota do canudinho contiuava sentada ali. E os olhares se tocavam a cada minuto, despertando sensações diferentes tendo em comum apenas a dúvida. Dúvida sobre quem poderia ser, quais filmes ela veria, estaria esperando alguém e, principalmente, como iniciaria uma conversa com quem nunca conversei antes.

A idéia de passar três sessões seguidas sem conversar com ninguém foi o grande catalisador do meu súbito senso de atitude. Em um momento de dúvidas sobre o que fazer, adota-se a tática do heroísmo que é se colocar em uma situação onde não há como fugir. No caso, um simples "oi". Ela responde de acordo. Legal, não me ignorou. Já é melhor que muitas por aí. Diz que não está esperando ninguém e consigo autorização para sentar ao seu lado. Há, no tom de voz de nós dois, uma leve sensação de alívio daqueles que acontecem quando achamos a saída do shopping ou quando alguém te liga quando deveria ter ligado meia hora antes.

Obviamente, conversamos sobre filmes. Não tão óbvio, descobrimos que assistiremos aos mesmos filmes. Nesse ponto, não há espaço para tanta timidez e a conversa se desenvolve no melhor estilo mineiro de ser. Sem interrupções, sem assuntos chatos e muitos pontos em comum - além dos próprios filmes. As filas se passam de maneira imperceptíveis e apenas percebo que estou sentado na sala do cinema quando se apagam as luzes.

Cinema é uma atividade solitária. Isso pode surpreender alguns casais de plantão que batem ponto nas salas espalhadas por aí. Em um sentindo amplo, cinema significa pipoca, guloseimas, filas, conversas e namoros. No entanto, no momento em que as luzes se apagam e as imagens são projetadas, não há mais nada ali além do filme e você. Se houver, é porque não está prestando atenção. Nada contra, realmente existem coisas melhores.

Ao final do primeiro filme, mais uma doce descoberta: ela também fica na sala até o final dos créditos. Sempre achei que fosse o único. Decidimos permanecer sentados entre as sessões e rapidamente, estamos pronto para o próximo filme. Dessa vez, um pouco menos solitário e a fantástica ilusão do cinema começa a ruir - no bom sentido. No último intervalo da noite, a conversa orbita assuntos pessoais e mais íntimos. Toda a maratona de filmes se torna secundário.

A narrativa, assim como esse post, atingia o climax e precisava de um final. O cinema já cerrava as portas e apagava as luzes enquanto ainda conversávamos na calçada fria no meio da neblina da madrugada. Senti que era a hora de outro súbito de atitude. Ela escapou da minha tentativa com um movimento brilhante de rosto e deixou um ar enigmático em seu olhar. "Quem sabe na próxima sessão?". Trocamos telefone e ela ali me deixou em um misto de alegria e frustração. Assim como a arte imita a vida, esses pequenos momentos mostram que a vida segue os princípios básicos da arte de contar histórias. E um bom entendedor de cinema bem sabe que nem sempre o protagonista atinge seu objetivo.

A mostra segue e ainda não tive a "próxima sessão".

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Um outro Pagliacci

Era o melhor palhaço da atualidade. Uma mistura impecável de aperfeiçoamento, treinamento, talento divino e grande amor pela arte. Para Tuta, não havia nada mais digno do que a missão de elevar as almas das pessoas a níveis sublimes de felicidade, diversão despertando aquilo que todos têm de melhor.

O segredo de Tuta era tão simples quanto indecifrável. Ele não tratava os outros como criança e muito menos insistia em uma alma meramente infantil. O grande palhaço encarava as pessoas com um olhar humano e os abraçava com calor humano. E além disso, era muito engraçado. Seu senso de humor tocava as pessoas no nível mais pungente e seu timing era perfeito. Dominava todas as técnicas e estilos. Pastelão, humorista, piadista, imitação, sonoridades, peças e enganações.

Nas suas piadas - ou seriam obras? - mais polêmicas, simulou sua própria morte. Recebeu elogios e ovações que o consagraram como um grande artista do século. Muitos não gostaram, é fato, menos pela anedota de mau-gosto e mais por não ter entendido a piada.

Um dia qualquer - daqueles nem muito belo, mas nem muito feio - sem que nada memorável tivesse acontecido, Tuta ficou triste. Um grande vazio ocupou sua alma que ele esperava que fosse algo temporário, indigno de muita atenção. Entretanto, essa sensação permaneceu e aumentou discretamente a ponto de Tuta se indagar se o vazio não estaria ali o tempo todo e só agora vinha à sua percepção.

Ao confidenciar esse desconforto com um amigo de infância, Tuta se surpreendeu com a súbita gargalhada de seu companheiro. Irritado pela falta de consideração por estar se abrindo e demonstrar sua vulnerabilidade, o grande palhaço ignora seu amigo à procura de sua companheira de vida em quem, com certeza, poderia confiar tanta tristeza. A reação de sua amada, no entanto, foi ainda mais esmagadora: não apenas riu como se regressasse aos bons e saudáveis tempos juvenis, como também ligou para toda família para contar a mais nova sacada no melhor palhaço do século.


A situação apenas fez piorar o seu já incômodo vazio e estava o preenchendo com ódio e frustração devido à falta de capacidade de dar vazão à sua tristeza e da futilidade de encontrar alguém que compreendesse o quanto sofria. No auge da sua indignação, rompeu com sua mulher, toda a família e seus amigos e decidiu viver sozinho.
A notícia se espalhou rapidamente pelos meios de comunicação e pela boca do povo. Em poucos dias, Tuta aceitou um convite de uma grande emissora de TV para dar entrevistas em um auditório onde, julgou, seria adequado para anunciar o fim de sua brilhante carreira devido à desilusão recente. Dispensou os tradicionais trajes coloridos e as maquiagens e decidiu enfrentar a questão como homem, diante da sociedade.

Em meio de seu discurso rouco e ranzinza, Tuta é interrompido por um telespectador ao telefone que lhe perguntava até onde iria a nova piada, pois não se aguentava de tanto rir. O palhaço, então, percebe que todo o auditório está deslubrado com uma nova grande anedota e centenas de telefonemas e mensagens não cessava de chegar à redação. Enfurecido, Tuta se utilizou de todos os vocábulos de baixo calão que conhecia, embriagado de ódio pela humanidade que apenas servia para atingir em cheio o gosto de seu público.

Saiu do programa antes de seu fim, refugiou-se em uma fazenda em uma fútil tentativa de escapar da mídia e curiosos. Valendo-se de remédios para se controlar, Tuta entra em profunda depressão por não conseguir expressar a sua tristeza e desabafar todo o sentimento negro que o apossara. O ódio crescia na mesma proporçao de sua frustração. Convenceu-se de que não havia saída nesse beco sem saída. Amarrou uma corda em uma pilastra no teto, preparou um forte e simples nó e, com a ajuda de um banco, colocou seu pescoço na corda na última esperança de encerrar todo o sofrimento.

Seu corpo só foi encontrado dias depois, quando os repórteres perceberam a pouca movimentação dentro da fazenda. Muitas especulações rondearam o caso, vasculharam sua vida recente em busca de pistas e histórias. No entanto, era unânime entre a sociedade a opinião de que Tuta tinha realizado a sua obra-prima do humor.

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Preciso andar

Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Quero nascer
Quero viver

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar
Quando eu me encontrar
Quando eu me encontrar
Depois que eu me encontrar
Quando eu me encontrar
Depois
Depois
Que eu me encontrar
Quando eu me encontrar
Depois, depois, depois
Que eu me encontrar

(Marisa Monte - "Preciso me encontrar")

terça-feira, 10 de outubro de 2006

O conto do homem sem coração

Ele amou
Tão intensa e completamente
que seu coração a ela pertencia
Ela,contudo, não o guardou
Abandonou aquele coração
que só para ela vivia

Ele passou a amar as mulheres com seu corpo.

Seu coração?

Até hoje não o encontrou...