Minha mente está concentrada maquinando a programação da mostra de cinema. São tantos filmes e tão pouco tempo disponível. Não sou o único. Olho ao redor e vejo várias pessoas rabiscando seus guias de filmes pensando na melhor maneira de aproveitar essa maratona que está acontecendo. Há grupos e grupos de pessoas - intelectuais, hype, punks, universitários, publicitários - e suas versões pseudos. Tudo bem, isso faz parte.
Eis que senta uma garota na mesa da frente. Tomava suco de canudinho fazendo um biquinho com a boca que dava asas à imaginação. Camisa branca, calça jeans e tênis AllStar - daqueles fáceis de calçar - e rabiscava o seu guia como muitos por ali. Tentei voltar à minha própria programação, no entanto me conheço bem o suficiente para saber que metade do meu planejamento não será seguido e que não estava concentrando o suficiente por causa daquele anjo na minha frente que tomava o seu suco com canudinho.
Tinha ingresso para três sessões seguidas na mesma sala sem nenhum critério aparente: um filme romeno, outro americano e um documentário canadense. Estava aguardando o primeiro filme que só começaria depois de algumas horas. As pessoas formavam filas, se movimentavam entre as salas. A garota do canudinho contiuava sentada ali. E os olhares se tocavam a cada minuto, despertando sensações diferentes tendo em comum apenas a dúvida. Dúvida sobre quem poderia ser, quais filmes ela veria, estaria esperando alguém e, principalmente, como iniciaria uma conversa com quem nunca conversei antes.
A idéia de passar três sessões seguidas sem conversar com ninguém foi o grande catalisador do meu súbito senso de atitude. Em um momento de dúvidas sobre o que fazer, adota-se a tática do heroísmo que é se colocar em uma situação onde não há como fugir. No caso, um simples "oi". Ela responde de acordo. Legal, não me ignorou. Já é melhor que muitas por aí. Diz que não está esperando ninguém e consigo autorização para sentar ao seu lado. Há, no tom de voz de nós dois, uma leve sensação de alívio daqueles que acontecem quando achamos a saída do shopping ou quando alguém te liga quando deveria ter ligado meia hora antes.
Obviamente, conversamos sobre filmes. Não tão óbvio, descobrimos que assistiremos aos mesmos filmes. Nesse ponto, não há espaço para tanta timidez e a conversa se desenvolve no melhor estilo mineiro de ser. Sem interrupções, sem assuntos chatos e muitos pontos em comum - além dos próprios filmes. As filas se passam de maneira imperceptíveis e apenas percebo que estou sentado na sala do cinema quando se apagam as luzes.
Cinema é uma atividade solitária. Isso pode surpreender alguns casais de plantão que batem ponto nas salas espalhadas por aí. Em um sentindo amplo, cinema significa pipoca, guloseimas, filas, conversas e namoros. No entanto, no momento em que as luzes se apagam e as imagens são projetadas, não há mais nada ali além do filme e você. Se houver, é porque não está prestando atenção. Nada contra, realmente existem coisas melhores.
Ao final do primeiro filme, mais uma doce descoberta: ela também fica na sala até o final dos créditos. Sempre achei que fosse o único. Decidimos permanecer sentados entre as sessões e rapidamente, estamos pronto para o próximo filme. Dessa vez, um pouco menos solitário e a fantástica ilusão do cinema começa a ruir - no bom sentido. No último intervalo da noite, a conversa orbita assuntos pessoais e mais íntimos. Toda a maratona de filmes se torna secundário.
A narrativa, assim como esse post, atingia o climax e precisava de um final. O cinema já cerrava as portas e apagava as luzes enquanto ainda conversávamos na calçada fria no meio da neblina da madrugada. Senti que era a hora de outro súbito de atitude. Ela escapou da minha tentativa com um movimento brilhante de rosto e deixou um ar enigmático em seu olhar. "Quem sabe na próxima sessão?". Trocamos telefone e ela ali me deixou em um misto de alegria e frustração. Assim como a arte imita a vida, esses pequenos momentos mostram que a vida segue os princípios básicos da arte de contar histórias. E um bom entendedor de cinema bem sabe que nem sempre o protagonista atinge seu objetivo.
A mostra segue e ainda não tive a "próxima sessão".
Eis que senta uma garota na mesa da frente. Tomava suco de canudinho fazendo um biquinho com a boca que dava asas à imaginação. Camisa branca, calça jeans e tênis AllStar - daqueles fáceis de calçar - e rabiscava o seu guia como muitos por ali. Tentei voltar à minha própria programação, no entanto me conheço bem o suficiente para saber que metade do meu planejamento não será seguido e que não estava concentrando o suficiente por causa daquele anjo na minha frente que tomava o seu suco com canudinho.
Tinha ingresso para três sessões seguidas na mesma sala sem nenhum critério aparente: um filme romeno, outro americano e um documentário canadense. Estava aguardando o primeiro filme que só começaria depois de algumas horas. As pessoas formavam filas, se movimentavam entre as salas. A garota do canudinho contiuava sentada ali. E os olhares se tocavam a cada minuto, despertando sensações diferentes tendo em comum apenas a dúvida. Dúvida sobre quem poderia ser, quais filmes ela veria, estaria esperando alguém e, principalmente, como iniciaria uma conversa com quem nunca conversei antes.
A idéia de passar três sessões seguidas sem conversar com ninguém foi o grande catalisador do meu súbito senso de atitude. Em um momento de dúvidas sobre o que fazer, adota-se a tática do heroísmo que é se colocar em uma situação onde não há como fugir. No caso, um simples "oi". Ela responde de acordo. Legal, não me ignorou. Já é melhor que muitas por aí. Diz que não está esperando ninguém e consigo autorização para sentar ao seu lado. Há, no tom de voz de nós dois, uma leve sensação de alívio daqueles que acontecem quando achamos a saída do shopping ou quando alguém te liga quando deveria ter ligado meia hora antes.
Obviamente, conversamos sobre filmes. Não tão óbvio, descobrimos que assistiremos aos mesmos filmes. Nesse ponto, não há espaço para tanta timidez e a conversa se desenvolve no melhor estilo mineiro de ser. Sem interrupções, sem assuntos chatos e muitos pontos em comum - além dos próprios filmes. As filas se passam de maneira imperceptíveis e apenas percebo que estou sentado na sala do cinema quando se apagam as luzes.
Cinema é uma atividade solitária. Isso pode surpreender alguns casais de plantão que batem ponto nas salas espalhadas por aí. Em um sentindo amplo, cinema significa pipoca, guloseimas, filas, conversas e namoros. No entanto, no momento em que as luzes se apagam e as imagens são projetadas, não há mais nada ali além do filme e você. Se houver, é porque não está prestando atenção. Nada contra, realmente existem coisas melhores.
Ao final do primeiro filme, mais uma doce descoberta: ela também fica na sala até o final dos créditos. Sempre achei que fosse o único. Decidimos permanecer sentados entre as sessões e rapidamente, estamos pronto para o próximo filme. Dessa vez, um pouco menos solitário e a fantástica ilusão do cinema começa a ruir - no bom sentido. No último intervalo da noite, a conversa orbita assuntos pessoais e mais íntimos. Toda a maratona de filmes se torna secundário.
A narrativa, assim como esse post, atingia o climax e precisava de um final. O cinema já cerrava as portas e apagava as luzes enquanto ainda conversávamos na calçada fria no meio da neblina da madrugada. Senti que era a hora de outro súbito de atitude. Ela escapou da minha tentativa com um movimento brilhante de rosto e deixou um ar enigmático em seu olhar. "Quem sabe na próxima sessão?". Trocamos telefone e ela ali me deixou em um misto de alegria e frustração. Assim como a arte imita a vida, esses pequenos momentos mostram que a vida segue os princípios básicos da arte de contar histórias. E um bom entendedor de cinema bem sabe que nem sempre o protagonista atinge seu objetivo.
A mostra segue e ainda não tive a "próxima sessão".