quarta-feira, 9 de maio de 2007

Roteiro de uma história sem palavras

A música toca ao fundo.

O cheiro do churrasco predomina e a preferência é da picanha mal-passada.

Ele chega cabisbaixo. Sabe que ela vem.

Ela chega preocupada. Sabe que ele veio.

Não se falam desde a semana passada.

Ele pega mais uma cerveja.

Ela tenta saborear a farofa (não consegue).

Ele usa óculos escuros.

Ela rói as unhas.

Ele finge que riu da piada.

Ela finge que conversa.

Todos param para tirar algumas fotos.

Ela quer ir embora.

Ele precisa ir embora.

Ela exagera na demonstração de amor.

Ele finge que não a ama mais.

E vão embora.

O churrasco continua.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Coração de lata

"Por que ele é tão frio?"
Alguém perguntou sobre ele, mas não para ele. A primeira vez que ouviu que essa pergunta foi feita foi surpreendeu-o. Era estranho alguém que, tempos antes, considerava-se romântico. Digo tempos antes porque ele sequer pensava nisso nos últimos tempos. Passou a buscar uma resposta para aquilo.

Quando pensava em amor, lembrava-se de duas mulheres. Claro, houve paixões na adolescência pelas quais chorou, sentiu, sorriu. Mas não considerou nenhuma delas importante. Aliás, mal conseguia lembrar-se delas.

E por que duas mulheres representavam, na sua vida, o amor? Era difícil responder. Talvez, pelo que ele mesmo falou a uma delas, pela maturidade do sentimento. Lembrava das duas com detalhes. Os dias que passaram juntos, os momentos que dividiram.

Lembrou-se que as duas aconteceram em seguida. E lembrou que com a primeira, faltou maturidade para lidar com algumas situações. Com a segunda, sobrou maturidade, talvez tenha faltado ousadia. Ainda que tivesse sido bastante ousado, era preciso ter ido além.

Alguém com essa história é frio?

Talvez porque desde então não soube mais o que é se apaixonar. Talvez porque não quisesse. Talvez porque não pudesse. Talvez até por medo.

Não entendia mesmo com todas as hipóteses. Como poderia ser frio? Então, lembrou-se novamente das duas mulheres.

Uma resolveu acabar com o que mal tinha começado por estar apaixonado por um gay. A outra acabou com algo que realmente não tinha nem começado por que era noiva e casaria - como de fato casou - meses depois.

Seu coração foi blindado e protegido com sistemas de alarmes e vigilância dia e noite. O revestimento da blindagem era de metal. Daí vem o que Jennifer Paige, em sua música Crush, chamou de "tin heart": coração de lata.